A Igreja Católica vendia lugares no céu?
A Igreja Católica vendia lugares no Céu? É claro que
não! Para que possamos compreender como responder a esta absurda
acusação, é necessário que compreendamos a doutrina das Indulgências. O
pecado tem uma dupla conseqüência. O pecado grave [chamado pecado
mortal (1Jo 5,16); é aquele que é cometido deliberadamente e
conscientemente em matéria grave] priva-nos da comunhão com Deus e,
consequentemente, nos torna incapazes da vida eterna; esta privação se
chama "pena eterna" do pecado. Por outro lado, todo pecado, mesmo o
venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige
purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no estado
chamado Purgatório.
Esta purificação liberta da chamada "pena temporal"
do pecado. Estas duas penas não devem ser concebidas como uma espécie
de vingança infligida por Deus do exterior, mas antes como uma
conseqüência da própria natureza do pecado. Uma conversão que procede
de uma ardente caridade pode chegar à total purificação do pecador, não
subsistindo mais nenhuma pena. O perdão do pecado e a restauração da
comunhão com Deus implicam a remissão das penas eternas do pecado. O
cristão deve esforçar-se, suportando pacientemente os sofrimentos e as
provas de todo tipo e, chegada a hora de enfrentar serenamente a morte,
aceitar como uma graça essas penas temporais do pecado; deve
aplicar-se, através de obras de misericórdia e caridade, como também
pela oração e diversas práticas de penitência, a despojar-se
completamente do "velho homem" para revestir-se do "homem novo". (Novo
Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 1472 e 1473). A pena eterna do
pecado nos é perdoada pelo Sacramento da Reconciliação (Confissão - Cf.
Jo 20,23). Quando recebemos a absolvição sacerdotal, temos perdoada a
pena eterna, mas não a temporal. Afinal, Jesus disse que devemos "pagar
até o último centavo" (Mt 5,26).
O que significa isso? Isto significa que quando
pecamos deliberadamente (ou seja, não é um acidente- como derrubar sem
querer algo pela janela e alguém ser atingido pelo objeto que cai,
morrendo em conseqüência do impacto) e conscientemente (ou seja, quando
sabemos que tal coisa é errada e mesmo assim a fazemos) em matéria
grave (ou seja, em algo importante), estamos escolhendo dizer "não" a
Deus e "sim" àquilo que escolhemos fazer: "sim" ao prazer proibido,
"sim" ao fruto do roubo - logo ao ato de roubar, "sim", em suma, àquilo
que colocamos naquele instante como valendo mais do que Deus, mais do
que a Salvação. Esta escolha é aceita por Deus. Passamos a não mais ter
a Sua graça, que trocamos pelo pecado. Este efeito (a perda da graça de
Deus) é eterno; apenas pela absolvição sacramental (pelo Sacramento da
confissão) podemos recuperar a Graça. Há também um outro efeito: ao
fazer isso, nós de uma certa forma nos acostumamos a dizer "não" a
Deus. É por isso que é mais fácil pecar pela centésima que pela
primeira vez. Abismo atrai abismo, diz o ditado. Esta conseqüência é
chamada "pena temporal do pecado". Ela não ocorre apenas quando pecamos
mortalmente; quando cometemos um pecado venial (ou seja, um pecado que
não é mortal, que não se inclui nas condições acima), também passamos a
ter "um apego prejudicial às criaturas", também passamos a achar mais
fácil dizer "não" a Deus.
Como podemos nos livrar desta pena temporal? A pena
eterna, já o vimos, é perdoada pelo Sacramento da Confissão. E a
temporal? A remissão da pena temporal pode ser feita pela caridade,
oração e penitência. Um costume muito antigo na Igreja é o das
penitências públicas; o penitente, desejoso de pagar a pena temporal de
seu pecado, após a absolvição sacerdotal ia para a rua para
publicamente pagar por seu pecado.
Esta forma pública e pesada de penitência,
entretanto, muitas vezes era impossível de cumprir para muitos, por
razões de idade ou saúde. A Igreja então, por misericórdia, apelou para
o seu Tesouro de Méritos (as orações e obras de todos seus membros,
vivos e mortos), e passou a indulgenciar alguns atos já por si
meritórios. O que é o tesouro de Méritos? Imaginemos por exemplo Madre
Teresa de Calcutá: sua santidade era assombrosa. Mesmo assim, ou talvez
até por causa disso, ela fazia penitências constantemente. Não tratava
de seus dentes, para poder usar a dor de suas cáries como penitência.
Fazia também caridade como poucos fizeram; sua história é conhecida.
Orava também ao menos quatro horas por dia. Será que ela teria tantos
pecados assim, que fosse necessário orar tanto, fazer tanta penitência,
tanta caridade, para que pudesse livrar-se das conseqüências temporais
do pecado? Claro que não. Ela o fazia porque sabia que aquilo que não
lhe servisse, aquilo que fosse "excessivo" seria adicionado ao tesouro
de Méritos da Igreja. Suas orações, sua caridade e suas penitências
foram colocadas à disposição da Igreja, para que a Igreja pudesse
dispor delas em favor de pessoas que precisassem. É através das
indulgências que a Igreja distribui estes méritos, que a Igreja faz com
que outras pessoas possam ser beneficiadas pelas orações, caridade e
penitências "excessivas" de seus membros. Dentre os atos indulgenciados
pela Igreja podemos contar, por exemplo, a oração feita em um cemitério
no dia de Finados, a participação na construção de uma catedral, e
muitos outros.
Pela instituição das indulgências, a Igreja
proporciona a seus membros uma participação neste Tesouro de Méritos;
como se um alimento que já é nutritivo (uma boa ação) fosse
"vitaminado", passando a ter um efeito mais salutar que quando não
"vitaminado" (ou seja, passando a ter uma ação maior na remissão da
pena temporal do pecado que quando não é indulgenciado). A Igreja como
que distribui entre seus fiéis, através das indulgências, os "centavos"
que devemos pagar até o fim (nas palavras do Senhor em Mt 5,26),
ajudando-os assim a chegar à perfeição. A Indulgência corresponde a um
período de penitência pública. Uma indulgência de cem dias, por
exemplo, referir-se-ia a cem dias de penitência pública. Hoje em dia,
por não haver mais penitências públicas (a não ser em alguns lugares,
como as Filipinas), as pessoas perderam de vista o referencial que era
então usado, e a Igreja passou a classificar as indulgências apenas
como plenárias (remissão total da pena temporal) ou parciais. Para que
uma indulgência possa ser recebida, porém, é necessário que sejam
cumpridas algumas condições:
- Deve ter sido feito um exame de consciência rigoroso e minucioso, seguido de Confissão e subsequente absolvição sacerdotal, além de assistir a Missa completa e comungar.
- A pessoa que faz o ato indulgenciado deve ter absoluto horror aos pecados que cometeu e a firme intenção de não mais cometê-los.
- Ela deve ter em mente seu desejo de lucrar a indulgência associada ao ato enquanto o executa.
Dentre as ações indulgenciadas, havia algumas que
podiam ser feitas de maneira indireta (o que foi proibido no século
XVI, por haver uma compreensão errônea da doutrina por muitos). Um
exemplo disso seria a participação financeira na construção de uma
catedral. Ora, para que alguém lucre uma indulgência, é necessário que
antes tenha se confessado (afinal, São João escreveu que não adianta
orar pelo irmão que cometeu um pecado que é de morte - 1Jo 5,16 É
preciso que ele antes obtenha o perdão deste pecado - Cf. Jo 20,23).
Para lucrar uma indulgência, portanto, a pessoa já deve ter sido
absolvida da pena eterna de seu pecado, que a levaria ao Inferno.
Indulgências, portanto, nunca poderiam levar para o Céu alguém que por
seus atos escolheu o Inferno. Além disso, há a necessidade de que a
pessoa tenha horror ao pecado cometido e firme intenção de não mais
pecar. As indulgências não podem ser aplicadas aos pecados ainda a
cometer, apenas aos já cometidos, e mesmo assim apenas nas condições
expostas acima. A indulgência é na verdade muito menos "indulgente" que
a doutrina humana da garantia de salvação dos crentes independentemente
dos pecados posteriores à sua conversão, pregada por muitos
protestantes. Dificilmente isso poderia ser considerado venda de
lugares no Céu!...
fonte:veritatis
autor:Carlos Ramalhete