Religiosidade popular
A fé do nosso povo está marcada
fortemente pela religiosidade popular, a que o Santo Padre Bento XVI
chama de “precioso tesouro da Igreja Católica”. Na sessão inaugural da
Conferência de Aparecida, a 13 de maio de 2007, afirmou: “Esta
religiosidade expressa-se também na devoção aos Santos com as suas
festas patronais, no amor ao Papa e aos demais Pastores, no amor à
Igreja universal como grande família de Deus que nunca pode, nem deve,
deixar abandonados ou na miséria os seus próprios filhos. Tudo isto
forma o grande mosaico da religiosidade popular que é o precioso
tesouro da Igreja Católica na América Latina, e que ela deve proteger,
promover e, naquilo que for necessário, também purificar”.
Sobre essa matéria, a História
eclesiástica nos dá importantes lições: comemorações judaicas e pagãs e
sua relação com o Ano Litúrgico; os sofrimentos em decorrência da
heresia dos iconoclastas; o papel de certos símbolos na psicologia do
povo. Além disso, já nos primeiros séculos observou-se no culto cristão
um aproveitamento das formas de piedade privada, integradas pela
Igreja.
Grandes eventos, que hoje celebramos,
surgiram das festividades israelitas e do paganismo. Em vez de
destruir, os primeiros cristãos substituíam adaptando ao Evangelho, os
elementos válidos ali subjacentes.
As primitivas comunidades tinham suas
raízes no calendário hebreu. Assim do qüinquagésimo dia, a “Festa das
Semanas”, vem a fixação do dia de Pentecostes. O mesmo processo ocorre
quanto às outras religiões existentes. A data ocupava o lugar da
efeméride, preservando o que havia de verdadeiro e aproveitável no
costume reinante.
No Brasil, respeitou-se a mesma
pedagogia. Foi ela usada pelos missionários que utilizaram certas
cerimônias rituais indígenas ou africanas, dando-lhes sentido cristão.
Não se tratava absolutamente de sincretismo, mas de um novo conteúdo
verdadeiro, isento de erro, sob uma roupagem aceitável na visão cristã.
Os nativos e escravos não possuíam um credo orgânico e rigorosamente
explicitado. Ele era, na verdade, uma manifestação, mesmo restrita, da
religião natural. Ora, este é o alicerce da própria Revelação.
Essas considerações ajudam a descobrir a
importância de certas práticas, hoje em dia, para a evangelização.
Desprezá-las é cometer um grave erro pastoral.
No início do período pós-conciliar, o
entusiasmo pela purificação de elementos introduzidos no decorrer dos
séculos, levou alguns a combaterem exatamente o elo que ainda
conservava, no seio da comunidade cristã, os fracos, os pequenos na fé.
Deu-se um grande destaque ao concernente à inteligência, em prejuízo
de usos que, mesmo falhos, falavam mais ao coração. Na aridez a planta
fenece. E, então, muitos foram buscar, em doutrinas espúrias, o que
lhes faltava na comunidade eclesial, embora continuassem a se declarar
católicos. Imagens foram retiradas, tentaram liquidar as associações
dos fiéis: Cruzadas, Filhas de Maria, Apostolado da Oração etc. E o que
era apresentado como substitutivo não satisfazia às aspirações de
nossa gente. Isso faz-nos lembrar o tempo dos iconoclastas.
No entanto, muitos desses costumes,
que às vezes foram olhados com certo desprezo, possuem na realidade,
autêntico valor teológico. Alguns apenas estão acobertados por uma
roupagem que lhes dão um aspecto negativo e esconde a beleza existente,
a verdade evangélica. A Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, nº
48, contém valiosas e oportunas diretrizes.
Tomemos alguns exemplos: na devoção às
almas, o culto dos mortos, há em seu âmago o que proclamamos no Credo:
“Creio na comunhão dos santos”. Existe uma comunicação no sentido
verdadeiro entre a Igreja militante, padecente e triunfante. Nós
invocamos os santos. Aos falecidos, privadamente, podemos em sã
doutrina, solicitar a intercessão junto ao único mediador, o Cristo.
Com a Cabeça do Corpo Místico, todos nos comunicamos por seu Espírito: o
sangue Redentor alimenta os que estão no céu, na terra e no
purgatório. Quem poderá negar a atualidade das missas de exéquias se a
própria Liturgia as inclui em sua Instrução Geral do Missal Romano? Com
os mortos relaciona-se o uso das velas. Acendê-las é, em si, um ato
religioso. Em vez de deixá-lo fácil presa da superstição, demos-lhe uma
configuração católica verdadeira. Combater seu uso em lugares
impróprios, sim.
Fonte: Site da Arquidiocese do Rio
de Janeiro.