Batismo de crianças a palavra dos padres da igreja católica
fonte: veritatis splendor
autor : José Miguel Arráiz
SANTO HIPÓLITO DE ROMA
Desconhece-se a data e o lugar do seu nascimento, mesmo que se saiba
que foi discípulo de Santo Ireneu de Lião. Seu grande conhecimento da
filosofia e dos mistérios gregos, e sua própria psicologia, indicam que
procedia do Oriente. Até o ano 212 era presbítero em Roma, onde
Orígenes, durante sua viagem à capital do Império, o ouviu pronunciar
um sermão.
Por ocasião do problema da
readmissão na Igreja daqueles que tinham apostatado durante alguma
perseguição, estourou um grave conflito que o colocou em oposição ao
Papa Calisto, já que Hipólito se mostrava rigorista nesta matéria,
embora não negasse que a Igreja possuía o poder de perdoar os pecados.
Tão forte se tornou a questão, que se separou da Igreja e, eleito bispo
de Roma por um pequenino círculo de partidários, tornou-se o primeiro
Antipapa da História. O cisma se prolongou até depois da morte de
Calisto, durante os pontificados de seus sucessores Urbano e Ponciano.
Terminou em 235, pela perseguição de Maximino, que desterrou o Papa
legítimo (Ponciano) e a Hipólito às minas da Sardenha, onde se
reconciliaram. Ali os dois renunciaram ao pontificado para facilitar a
pacificação da comunidade romana, que desta forma pôde eleger um novo
Papa e dar por encerrado o cisma. Tanto Ponciano quanto Hipólito
morreram no ano 235.
Um testemunho de singular
importância temos também graças à “Tradição Apostólica”, a qual é uma
das mais antigas e importantes constituições eclesiásticas da
Antiguidade (foi escrita por volta do ano 215). Nela encontramos
instruções específicas acerca da administração do batismo, onde consta
a prática de batizar crianças e como em razão da fé dos pais poderiam
ser batizadas:
“Ao cantar o galo, se
começará a rezar sobre a água, seja a água que flui da fonte, seja a
que flui do alto. Assim se fará, salvo em caso de necessidade.
Portanto, se houver uma necessidade permanente e urgente, se empregará
a água que se encontrar. Se desnudarão e se batizarão primeiro as
crianças. Todas as que puderem falar por si mesmas, que falem; quanto
às que não puderem, falem por elas os seus pais ou alguém da sua
família. Se batizarão em seguida os homens e, finalmente, as mulheres
[...] O bispo ao impor-lhes as mãos, pronunciará a invocação: 'Senhor
Deus, que os fizeste dignos de obter a remissão dos pecados através do
banho da regeneração, fazei-os dignos de receber o Espírito Santo e
envia sobre eles a tua graça, para que te sirvam obedecendo a tua
vontade. A Ti a glória, Pai, Filho e Espírito Santo, na Santa Igreja,
agora e pelos séculos. Amém” (Tradição Apostólica 20,21).[7]
SÃO CIPRIANO DE CARTAGO
Bispo de Cartago, nascido por volta do ano 200, provavelmente em
Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à
retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes
pagãos em contraste com a pureza de costumes dos cristãos o induziu a
abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi
eleito bispo. Ao tornar-se mais forte a perseguição de Décio, em 250,
julgou melhor retirar-se para outro lugar, a fim de continuar se
ocupando com o seu rebanho.
Tem-se evidência de que durante
sua vida houve quem pretendesse atrasar o batismo das crianças para o
oitavo dia após o seu nascimento, à semelhança da circuncisão, tornando
necessário a Cipriano, em seu nome e de mais 66 bispos, enviar uma
carta a Fido testemunhando a fé da Igreja de que não se deve retardar o
batismo das crianças e que estas poderiam ser batizadas desde logo. A
carta integral encontra-se disponível na Internet, no volume 5 de “Ante
Nicene Fathers”, de Schaff (protestante) e ainda na “New Advent
Encyclopedia”[8].
Entre alguns pontos interessantes, temos:
“Porém, no tocante às
crianças, as quais dizes que não devem ser batizadas no segundo ou
terceiro dia após seu nascimento, e que a antiga lei da circuncisão
deve ser considerada, de modo que pensas que quem acaba de nascer não
deva ser batizado e santificado dentro dos oito [primeiros] dias, todos
nós pensamos de maneira bem diferente em nosso Concílio. Neste caminho
que pensavas seguir, ninguém concorda; ao contrário, julgamos que a
misericórdia e a graça de Deus não deve ser negada a ninguém nascido do
homem pois, como diz o Senhor no seu Evangelho, 'o Filho do homem não
veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-la'. À medida que
podemos, devemos procurar que, sendo possível, nenhuma alma seja
perdida [...] Por outro lado, a fé nas Escrituras divinas nos declara
que todos, sejam crianças ou adultos, têm a mesma igualdade nos divinos
dons [...] razão pela qual cremos que ninguém deve ser impedido de
obter a graça da lei, pela lei em que foi ordenado, e que a circuncisão
espiritual não deva ser obstaculizada pela circuncisão carnal, mas que
todos os homens devem ser absolutamente admitidos à graça de Cristo, já
que também Pedro, nos Atos dos Apóstolos, fala e diz: 'O Senhor me
disse que eu não deveria chamar a ninguém de ordinário ou imundo'.
Entretanto, se nada poderia obstaculizar a obtenção da graça pelos
homens ao mais atroz dos pecados, não se pode colocar obstáculos aos
que são maiores. Porém, se se crê que até aos piores pecadores e aos
que pecaram contra Deus lhes é concedida a remissão dos pecados, não
sendo nenhum deles impedido do batismo e da graça, quanto mais não
deveríamos obstaculizar um bebê que, sendo recém-nascido, não pecou
ainda [pessoalmente], mas por ter nascido da carne de Adão, contraiu o
contágio da morte antiga em seu nascimento [...] Logo, querido irmão,
esta foi a nossa opinião no Concílio: que, por nós, ninguém deve ser
impedido de receber o batismo e a graça de Deus, que é misericordioso,
amável e carinhoso para com todos; e que, visto que é observado e
mantido em relação a todos, parece-nos que seja ainda mais no caso dos
lactantes [...]” (Carta 58, a Fido, sobre o Batismo das Crianças).[9]
É importante observar aqui que o que Fido e talvez outros presbíteros
pretendiam fazer não era negar o batismo às crianças – tal como faz
hoje uma grande parcela do Protestantismo – mas tão somente retardá-lo
para logo depois do oitavo dia do nascimento.
GREGÓRIO DE NANZIANZO
Arcebispo de Constantinopla e
doutor da Igreja, nascido em Nanzianzo, na Capadócia, no ano 329 e
falecido em 389. Célebre por sua eloquência e sua luta contra o
Arianismo, juntamente com outros Padres como São Basílio e São Gregório
de Nissa. É reconhecido como um dos quatro grandes doutores da Igreja
Grega.
Escreveu um belo sermão sobre o
batismo onde testemunha a fé da Igreja Primitiva no sentido de que, se
para o adulto é necessária a fé para se receber o sacramento, não é
assim para a criança (que o recebe em razão da fé dos pais). Com
efeito, não há desculpa alguma para se retardar o batismo, nem sequer
no caso das crianças:
“Façamo-nos batizar para
vencer. Tomemos nossa parte nessas águas mais purificadoras que o
hissopo; mais puras que o sangue das vítimas impostas pela Lei; mais
sagradas que as cinzas do bezerro, cuja aspersão podia ser suficiente
para dar às faltas comuns uma provisória purificação corporal, mas não
uma total remissão do pecado. Teria sido necessário, sem isso, renovar
a purificação daqueles que já a tinham recebido uma vez? Façamo-nos
batizar hoje, para não estarmos obrigados a fazê-lo amanhã. Não
retardemos o benefício como se nos surgisse algum problema. Não
esperemos ter pecado mais para, mediante ele (=o batismo), sermos
perdoados em maior medida; isso seria fazer uma indigna especulação
comercial acerca de Cristo. Tomar uma carga superior a que podemos
carregar é correr o risco de perder, em um naufrágio, o navio, o corpo
e os bens, os seja, todo o fruto da graça que não se soube aproveitar
[...] Inclusive as crianças: não deixeis tempo para a malícia
apoderar-se delas; santificai-as enquanto são inocentes; consagrai-as
ao Espírito enquanto ainda não lhe saíram os dentes. Que pusilanimidade
e que falta de fé daquelas mães que temem o caráter batismal pela
fragilidade da sua natureza! Antes de o ter trazido ao mundo, Ana
dedicou Samuel a Deus e, imediatamente após o seu nascimento, o
consagrou; a partir de então, o carregava vestido com um hábito
sacerdotal sem temor algum dos homens, em razão da sua confiança em
Deus. Não há necessidade, então, de amuletos ou encantamentos, meios de
que se serve o maligno para insinuar-se nos espíritos pequenos em
demasia e transformar em seu benefício o temor religioso em prejuízo a
Deus. Opõe a ele a Trindade, imensa e formosa talismã” (Sermão
40,11.17, sobre o Santo Batismo).[10]
Como opinião pessoal, recomenda que, se não estiverem em perigo do
morte, aguarde-se os três anos de idade para que possam recitar
superficialmente os mistérios da fé, assinalando que a razão não é
requisito para o recebimento do sacramento:
“Tudo isto é dito para
aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das
crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo
em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de
perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que
deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados
a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no
oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos
desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais
da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os
primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião:
esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de
compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da
imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua
alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação.
Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena
posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não
serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem
cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a
muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem
sobre nós e ultrapassam as nossas forças [...] Porém, alguém dirá:
'Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras
desde logo o batismo'. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a
essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação,
mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez
que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por
retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento
assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria
pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido,
no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes
revestidos da incorruptibilidade” (Sermão 40,26-27).[11]
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
Patriarca de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Antioquia,
na Síria, em 347, é considerado um dos quatro grandes Padres da Igreja
Oriental. Na Igreja Ortodoxa grega é reconhecido como um dos maiores
teólogos e um dos três Pilares da Igreja, juntamente com São Basílio e
São Gregório:
“Deus seja louvado! Ele, que
produz tais maravilhas! Vês quão múltipla é a graça do batismo? Alguns
enxergam nele apenas a remissão dos pecados, mas nós podemos delinear
dez dons de honra. Por isso batizamos também as crianças de pouca
idade, quando ainda não começaram a pecar, para que recebam a
santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo,
para que se convertam em membros e morada do Espírito Santo” (Sermão
aos Neófitos).[12]
SÃO BASÍLIO MAGNO
Preeminente bispo da Cesaréia e doutor da Igreja, nascido no ano 330 e
falecido em 379. É reconhecido como um dos quatro grandes Padres da
Igreja Oriental, juntamente com Santo Atanásio, São Gregório de
Nanzianzo e São João Crisóstomo:
“Há um tempo conveniente para
cada coisa: um tempo para o sono e outro para a vigília; um tempo para
a guerra e um tempo para a paz. No entanto, o tempo do batimo absorve
toda a vida do homem. Se não é possível ao corpo viver sem respirar,
muito menos será para a alma sobreviver sem conhecer o seu Criador. A
ignorância de Deus é a morte da alma. Aquele que não foi batizado
tampouco foi iluminado. Assim como sem a luz a vista não pode perceber
aquilo que lhe interessa, do mesmo modo, a alma não pode contemplar a
Deus. Ademais, todo tempo é favorável para conseguir a salvação por
intermédio do batismo, trate-se de noite ou de dia, de uma hora ou de
espaço menor de tempo, por mais breve que seja. Seguramente, a data que
se aproxima é, em maior medida, a mais apropriada. Que época poderia
ser, de fato, mais adequada para o batismo que o dia da Páscoa? Pois
esse dia comemora a ressurreição e o batismo é uma fonte de energia
para obter a ressurreição. Por essa razão, a Igreja convoca, há muito
tempo, seus filhos de peito, em uma sublime proclamação, a fim de que
aqueles a quem ela deu à luz na dor, colocando-os no mundo depois de
tê-los alimentado com o leite do ensino da catequese, se nutram do
alimento sólido dos seus dogmas” (Protríptico do Santo Batismo 1).[13]
O PELAGIANISMO: PRIMEIRA HERESIA A REJEITAR O BATISMO DAS CRIANÇAS
Porém, foi só no século V quando apareceu a primeira heresia a negar a
necessidade do batismo, inclusive o batismo das crianças. Seu autor foi
Pelágio, um monge influenciado por doutrinas pagãs, especialmente do
Estoicismo. Minimizava a eficácia da graça e considerava que a vontade,
por seu livre arbítrio, podia por si só obter a santidade. Para os
pelagianos, não existia qualquer pecado original; imaginavam que se
Adão não foi criado imortal, poderia morrer ainda que não tivesse
pecado, de modo que as crianças se encontram no mesmo estado de Adão
antes da sua queda, não contraindo qualquer pecado original. E negando
o pecado original, consequentemente enxergavam o batismo das crianças
como desnecessário.
Logo após tornar-se monge, Pelágio
viajou para Roma antes do ano 400. Depois de Roma ser conquistada e
saqueada pelos Godos, partiu para Cartago e, a seguir, para Jerusalém,
acompanhado de Celéstio, outro partidário do Pelagianismo que o ajuda
de maneira eficiente a propagar suas doutrinas.
Dezoito bispos, inclusive Juliano
de Eclana, aderiram ao Pelagianismo, mas Santo Agostinho combateu
tenazmente a heresia. Os bispos pelagianos foram privados das suas
sedes e condenados pelos Concílios africanos de Cartago e Milevis (nos
anos 411, 412 e 416), os quais sentenciaram:
“Igualmente dispôs que
aqueles que negam que os recém-nascidos do seio de suas mães não devem
ser batizados ou efetivamente dizem que são batizados para a remissão
dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Adão para ser
expiado pelo banho da regeneração – de onde, por consequência, se
concluiria que neles a fórmula do batismo 'para a remissão dos pecados'
deve ser compreendida como inverídica ou falsa, sejam anátemas. Isto
porque disse o Apóstolo: 'Por um só homem entrou o pecado no mundo e,
pelo pecado, a morte; e assim passou a todos os homens, porque nele
todos pecaram' [cf. Romanos 5,12], o que não deve ser compreendido de
maneira diferente daquilo que sempre compreendeu a Igreja Católica
espalhada pelo mundo. Logo, por esta regra de fé, mesmo as crianças
pequeninas, que ainda não puderam cometer pecados por si mesmas, são
verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de que,
pela regeneração, se limpe nelas aquilo que contraíram pela geração”
(Concílio de Milevis II, ano 416; Concílio de Cartago, ano 418 -
Concílios aprovados pelos Papas Santo Inocêncio I e São Zózimo; Do
Pecado e da Graça, cânon 2).[14]
Contudo, os pelagianos se negaram a submeter-se aos Concílios. Os
Concílios, então, escreveram ao Papa para que aprovasse as decisões
destes Concílios Regionais, o que de fato ocorreu através do Papa
Inocêncio I. Santo Agostinho, de posse da sentença da Sé Apostólica
(=Roma), deu o caso por encerrado, mas logo após a morte do Papa
Inocêncio, Celéstio proferiu diante do Papa Zózimo umas confissão de fé
que esteve perto de confundi-lo, mas este tornou a confirmar as
sentenças do seu predecessor. Mais tarde, no ano 431, o Concílio de
Éfeso voltou a condenar o Pelagianismo que tentava agora se propagar
pela Inglaterra.
SANTO AGOSTINHO
Bispo de Hipona e doutor da Igreja,
é reconhecido como um dos quatro doutores mais primorosos da Igreja
Latina. Nasceu em 354 e foi bispo de Hipona por 34 anos. Combateu
duramente todas as heresias da época e faleceu no ano 430. Os textos
contrários ao Pelagianismo são abundantes, razão pela qual, por uma
questão de espaço, citarei apenas alguns, nos quais aprofunda a questão
da necessidade de se batizar as crianças para purificá-las do pecado
original:
“O batismo dos filhos de pais
cristãos: apesar do matrimônio justo e legítimo destes filhos de Deus,
não nascem filhos de Deus, em razão desta concupiscência. Isto porque
os que geram, embora já tenham sido regenerados [pelo batismo], não
geram como filhos de Deus, mas como filhos do mundo. Com efeito, esta é
a sentença do Senhor: 'Os filhos deste mundo geram e são gerados'. Por
sermos filhos deste mundo, nosso homem interior se corrompe; por isso,
são gerados também filhos deste mundo e não serão filhos de Deus se não
forem regenerados. Entretanto, por sermos filhos de Deus, nosso homem
interior se renova a cada dia; e também o homem exterior, pelo banho da
regeneração, é santificado e recebe a esperança da incorrupção futura,
sendo por isso chamado com toda a razão 'templo de Deus'” (Do
Matrimônio e da Concupiscência 1,18,20).[15]
“Todo aquele que nega que as
crianças, ao serem batizadas, são arrancadas deste poder das trevas, do
qual o Diabo é o príncipe, ou seja, do poder do Diabo e de seus anjos,
é refutado pela verdade dos próprios sacramentos da Igreja. Nenhuma
novidade herética pode alterar ou destruir qualquer coisa na Igreja de
Cristo, já que a Cabeça dirige e auxilia todo o seu Corpo, tanto aos
pequenos (=crianças) quanto aos grandes (=adultos)” (Do Matrimônio e da
Concupiscência 1,20,22).[16]
“Com efeito, desde que foi
instituída a circuncisão no povo de Deus – que então era o sinal da
justificação pela fé – esta teve valor por significar a purificação do
antigo pecado original também para as crianças, da mesma forma como o
batismo começou a ter valor também para a renovação do homem desde o
momento em que foi instituído. Não que antes da circuncisão não
houvesse justiça alguma pela fé – pois o próprio Abraão, pai das nações
que seguiriam a sua mesma fé, foi justificado pela fé, mesmo sendo
todavia incircunciso – mas porque o sacramento da justificação pela fé
esteve totalmente escondido nos tempos mais antigos. Porém, a mesma fé
no Mediador salvava os antigos justos, pequenos e grandes” (Do
Matrimônio e da Concupiscência 2,11,24).[17]
A REFORMA PROTESTANTE E O MOVIMENTO ANABATISTA
Seria apenas séculos depois, não
mais pelos pelagianos mas por um movimento totalmente diferente,
surgido em Zurique em torno da Reforma Protestante promovida pelo
reformador Ulrico Zwínglio, que se levantaria oposição ao batismo das
crianças. Os partidários deste movimento foram chamados “anabatistas”
(ou “batistas”).
O nascimento deste movimento
remonta ao ano 1523, quando a Reforma chegou a Zurique. Não passou
muito tempo para que começasse a ocorrer divisões dentro do
Protestantismo. De Zwínglio se separaram vários grupos protestantes que
anteriormente colaboravam na formação de uma comunidade independente da
tutela da autoridade civil. Entre estes estavam Conrado Grebel
(1498-1526) e Feliz Mantz (1500-1527), que passaram a desenvolver a
idéia de que apenas os que críam retamente e levavam conduta pia eram
membros da Igreja; assim, segundo suas opiniões, o batismo das crianças
não podia nem sequer ser considerado batismo, sendo portanto inválido.
Os anabatistas passaram então a se rebatizar, rejeitando a validade do
seu primeiro batismo e alegando que apenas aqueles que podiam expressar
conscientemente a fé em Cristo podiam ser batizados.
No ano 1524, Grebel rejeitou que
seu novo filho fosse batizado e ocasionou um conflito com o Conselho de
Zurique; em janeiro de 1525, o Conselho dispôs que fosse expulso da
cidade quem, no prazo de oito dias, não batizasse seus filhos. Grebel e
Mantz também foram proibidos de pregar[18], mas como o Protestantismo
já tinha rejeitado a autoridade da Igreja [Católica], tendo em vista a
livre interpretação da Bíblia, o novo movimento também não tinha
motivos para se submeter às novas autoridades protestantes. A “caixa de
Pandora” estava aberta e a partir de então não havia mais como o
Protestantismo guardar uma unidade doutrinária.
É neste contexto que surgiram as
inquisições protestantes. Mas apesar de se servirem da tortura e, em 7
de março de 1526, ter sido decretada pena de morte para todos aqueles
que realizassem um segundo batismo, não foi possível conter os
anabatistas (o mesmo passaria a ocorrer, aliás, com cada nova
denominação protestante). Começaram assim as execuções de anabatistas,
entre elas as de Félix Mantz (por afogamento), Jorge Blaurock e Miguel
Sattler (ambos queimados vivos). As vítimas continuaram, mas o
Anabatismo se propagou inclusive para a Alemanha, terra de Lutero, e os
Países Baixos, onde a palavra de Calvino era a lei.
Proibidos tanto nas regiões
católicas quanto nas protestantes, apareceram diferentes grupos
anabatistas (menonitas, huterianos), alguns pacíficos, outros nem
tanto. Um dos líderes destes grupos anabatistas violentos foi Tomás
Müntzer, que logo depois de ser seguidor de Lutero acabou se tornando
seu férreo inimigo. Liderou grupos de camponeses que, embora fizessem
reclamações justas e buscassem o apoio de Lutero, acabaram partindo
para a violência quando este último ofereceu-lhes a espada. É neste
momento que Lutero escreve a obra “Contra as Hordas de Bandidos e
Assassinos Camponeses” (WA 18,357-361), em que exorta os príncipes a
realizar uma matança de camponeses, em público ou em privado,
culminando tudo em um grotesco massacre.
Com o passar do tempo, a tendência
anabatista foi penetrando nas diversas denominações protestantes,
ecoando suas tendências referentes ao batismo inclusive em denominações
não- anabatistas (pentecostais, metodistas), embora rejeitadas por
outras (calvinistas, luteranos, reformados). A divisão chegou a tal
ponto que hoje conheço comunidades eclesiais luteranas que rejeitam o
batismo de crianças (embora continuem sendo exceção e não regra).
Entre algumas confissões protestantes rejeitando as doutrinas anabatistas, podemos mencionar:
“O Batismo: ensinamos que o
Batismo é necessário para a salvação e que pelo Batismo nos é dada a
graça divina. Ensinamos também que se devem batizar as crianças e que
por este Batismo são oferecidas a Deus e recebem a graça de Deus. É por
isso que condenamos os Anabatistas que rejeitam o Batismo das crianças”
(Confissão de Augsburgo, artigo 9; ano 1530 – Igrejas Luteranas).
“Não apenas devem ser batizados
aqueles que professam a fé em Cristo e obediência a Ele, como também as
crianças, filhas de um ou de ambos os pais crentes” (Confissão de
Westminster 28,4 – Igrejas Reformadas).
“Pergunta: Deve-se também batizar as crianças?
Resposta: Naturalmente, pois, como os adultos, encontram-se compreendidas na Aliança e pertencem à Igreja de Deus[a]. Tanto a estas quanto aos adultos se lhes promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados[b] e o Espírito Santo, operário da fé[c]; por isso, e como sinal desta Aliança, [ambos] devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis[d], assim como se fazia na Aliança do Antigo Testamento pela circuncisão[e], cujo substituto na Nova Aliança é o Batismo[f]. Notas: [a] Gênesis 17,7; [b] Mateus 19,14; [c] Lucas 1,15; Salmo 22,10; Isaías 44,1-3; Atos 2,39; [d] Atos 10,47; [e] Gênesis 17,14; [f] Colossenses 2,11-13” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 – Igrejas Reformadas).
Resposta: Naturalmente, pois, como os adultos, encontram-se compreendidas na Aliança e pertencem à Igreja de Deus[a]. Tanto a estas quanto aos adultos se lhes promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados[b] e o Espírito Santo, operário da fé[c]; por isso, e como sinal desta Aliança, [ambos] devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis[d], assim como se fazia na Aliança do Antigo Testamento pela circuncisão[e], cujo substituto na Nova Aliança é o Batismo[f]. Notas: [a] Gênesis 17,7; [b] Mateus 19,14; [c] Lucas 1,15; Salmo 22,10; Isaías 44,1-3; Atos 2,39; [d] Atos 10,47; [e] Gênesis 17,14; [f] Colossenses 2,11-13” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 – Igrejas Reformadas).
“Opomo-nos aos anabatistas, os
quais não aceitam o batismo infantil dos filhos dos crentes. Porém,
conforme o Evangelho, 'o reino de Deus é dos pequeninos' e estes
encontram-se incluídos na Aliança de Deus. Portanto, por que não devem
receber o sinal da Aliança de Deus? Por que não devem ser consagrados
pelo santo batismo, considerando que já pertencem à Igreja e são
propriedade de Deus e da Igreja? Igualmente negamos as demais doutrinas
dos anabatistas, que contêm pequenas considerações próprias e
contrárias à Palavra de Deus. Em suma: não somos anabatistas e com eles
nada temos em comum” (Confissão Helvética – antiga confissão
protestante de 1566).
“Por esta razão, cremos que quem
deseja entrar na vida eterna deve ser batizado uma [só] vez com o único
Batismo, sem repetí-lo jamais, já que tampouco podemos nascer duas
vezes. Mas este Batismo é útil não apenas enquanto a água está sobre
nós, mas também todo o tempo de nossa vida. Portanto, reprovamos o erro
dos anabatistas, que não se conformam com o único batismo que receberam
e que, além disso, condenam o batismo das crianças [filhas] de crentes,
as quais cremos que se deve batizar e selar com o sinal da Aliança,
como as crianças em Israel eram circuncidadas nas mesmas promessas que
foram feitas aos nossos filhos. E, certamente, Cristo não derramou
menos o seu sangue para lavar as crianças dos fiéis como o fez pelos
adultos; [por seu sangue] devem receber o sinal e o sacramento daquilo
que Cristo fez por elas, da mesma forma como o Senhor, na Lei, ordenou
que participassem do sacramento do padecimento e morte de Cristo pouco
depois de terem nascido, sacrificando por elas um cordeiro, o qual era
um sinal de Jesus Cristo. Por outro lado, o Batismo significa para
nossos filhos o mesmo que a circuncisão significava para o povo judeu,
o que fez São Paulo chamar o Batismo de 'a circuncisão de Cristo'”
(Confissão Belga de 1619, artigo 34 – a Confissão Reformada dos Países
Baixos e de várias igrejas reformadas atuais).
Os anglicanos também rejeitaram o anabatismo:
“Do Batismo – O batismo não é
apenas um sinal da profissão e uma nota de distinção pela qual se
identificam os cristãos e os não-batizados, mas também é um sinal da
regeneração ou renascimento, pelo qual, como por instrumento, os que
recebem retamente o batismo são inseridos na Igreja; as promessas da
remissão dos pecados e a de nossa adoção como filhos de Deus por meio
do Espírito Santo são visivelmente assinaladas e seladas; a fé é
confirmada; e a graça, em razão da oração a Deus, é ampliada. O Batismo
das crianças, sendo conforme com a instituição de Cristo, deve ser
inteiramente conservado na Igreja” (Os 39 Artigos da Religião, capítulo
27 – confissão doutrinária histórica da Igreja Anglicana).
João Calvino, em sua obra “Instituição da Religião Cristã” dedica uma seção para refutar o anabatismo. Pode ser vista aqui .
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Notas:
[1] Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/anf01/ix.viii.xxxiv - http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm
[2] Extraído da edição preparada pela Conferência do Episcopado Mexicano no ano jubilar de 2000.
[3] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[4] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, p. 41.
[5] Ibid, p. 43.
[6] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[7] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, pp. 45 e 47.
[8] V. http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[9] Traduzido a partir de http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[10] “O Batismo segundo os Padres Gregos”. Adaptação pedagógica do Dr. Carlos Etchevarne, Bach. Teol., pp. 14 e 16-17. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[11] Ibid, pp. 22-23. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[12] Ibid, p. 57.
[13] Ibid, p. 4.
[14] DENZINGER, Enrique. “O Magistério da Igreja: Manual de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja em Matéria de Fé e Costumes”. Versão direta dos textos originais por Daniel Ruiz Bueno, Editorial Herder, 1963, p. 39.
[15] “Obras Completas de Santo Agostinho: Tomo XXXV-Escritos Anti-Pelagianos (3º), Réplica a Juliano”. BAC 457, p. 272.
[16] Ibid, p. 276.
[17] Ibid, p. 332.
[18] Para uma história mais detalhada sobre o Movimento Anabatista, consultar: “Manual de História da Igreja”, de Hubert Jedim, Tomo V, Editorial Herder.
Notas:
[1] Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/anf01/ix.viii.xxxiv - http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm
[2] Extraído da edição preparada pela Conferência do Episcopado Mexicano no ano jubilar de 2000.
[3] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[4] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, p. 41.
[5] Ibid, p. 43.
[6] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[7] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, pp. 45 e 47.
[8] V. http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[9] Traduzido a partir de http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[10] “O Batismo segundo os Padres Gregos”. Adaptação pedagógica do Dr. Carlos Etchevarne, Bach. Teol., pp. 14 e 16-17. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[11] Ibid, pp. 22-23. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[12] Ibid, p. 57.
[13] Ibid, p. 4.
[14] DENZINGER, Enrique. “O Magistério da Igreja: Manual de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja em Matéria de Fé e Costumes”. Versão direta dos textos originais por Daniel Ruiz Bueno, Editorial Herder, 1963, p. 39.
[15] “Obras Completas de Santo Agostinho: Tomo XXXV-Escritos Anti-Pelagianos (3º), Réplica a Juliano”. BAC 457, p. 272.
[16] Ibid, p. 276.
[17] Ibid, p. 332.
[18] Para uma história mais detalhada sobre o Movimento Anabatista, consultar: “Manual de História da Igreja”, de Hubert Jedim, Tomo V, Editorial Herder.
Fonte: http://www.apologeticacatolica.org; tradução: Carlos Martins Nabeto