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segunda-feira, dezembro 13, 2010

O politeismo e seus ídolos

Publico abaixo a tradução do Cepat do texto de Sandro Magister publicado em seu blog:
Bento XVI faz o alerta. O esquecimento do Deus único abre espaço a um mundo dominado por uma pluralidade de novos deuses de rosto sedutor. Viagem entre os cultores do paganismo moderno.
“Politeísmo”: esta palavra apareceu como um raio em um recente discurso de Bento XVI no sínodo de bispos do Oriente Médio, isto é, justamente na terra natal do Deus único feito homem, Jesus, e dos mais poderosos monoteísmos da história, o judeu e o muçulmano.
“Credo in unum Deum” é o poderoso refrão do princípio da sinfonia da doutrina cristã. Mas para Joseph Ratzinger, Papa teólogo, o politeísmo não está morto. É o desafio perene que também hoje se ergue contra a fé no Deus único.
“Pensemos nas grandes potências da história de hoje”, continuou o Papa no sínodo. Os capitais anônimos, a violência terrorista, a droga, a tirania da opinião pública são as modernas divindades que escravizam o homem. Devem cair. Se deve fazer com que caiam. A queda dos deuses é o imperativo de ontem, de hoje, de sempre para os crentes no único Deus verdadeiro.
Mas, o politeísmo de hoje não é feito só de potências obscuras. Seus muitos deuses têm também rosto benévolo e capacidade para seduzir.
É a “gaia ciência” vaticinada por Nietzsche há mais de um século, que oferece a cada homem “a maior vantagem”: a de “erigir seu próprio ideal e derivar disso a lei, suas alegrias e seus direitos”.
É a vitória do livre arbítrio individual, sem ter mais o jugo de uma tábua da lei, uma única para todos porque é escrita por um único Deus intratável.
Essa admiração pelo “Gênio do cristianismo” que havia inflamado Chateaubriand e os românticos cede hoje lugar a uma redescoberta entusiasta do “Gênio do paganismo”, título de um livrinho do antropólogo francês Marc Augé.
Na Itália, outro antropólogo, Francesco Remotti, investe contra “A obsessão da identidade”, título de seu último livro, e repreende o papa, em outro livro seu em forma de carta, por seu obstinado proceder “contra natura”, contra uma modernidade que, pelo contrário, faz gostar das maravilhas do politeísmo, líquido, pluralista, tolerante e libertador.
O “espírito de Assis”
Certamente, o atual revivificar-se do politeísmo não volta a praticar o culto a Júpiter e a Juno, a Vênus e a Marte. Mas a filosofia dos pagãos cultos do império de Roma volta a aflorar intacta no raciocínio de tantos modernos partidários do “pensamento débil”. E não apenas nestes. Quem hoje lê novamente, 16 séculos depois, a disputa entre o monoteísta Ambrósio, o santo padroeiro de Milão, e o politeísta Símaco, senador da Roma pagã, se sente fortemente tentado a dar razão ao segundo, quando diz: “Que interessa qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade? Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo”.
A magnânima paridade entre todas as religiões e os deuses, que estas palavras parecem inspirar encanta também muitos cristãos. O “espírito de Assis”, nascido da reunião multirreligiosa que ali se teve em 1998, contagiou de tal modo o difundido sentir que em 2000 a Igreja de João Paulo II e do então cardeal Joseph Ratzinger se sentiu no dever de recordar aos católicos que havia um só salvador da humanidade, e é o Deus feito homem em Jesus: uma verdade sobre a qual todo o Novo Testamento se sustenta ou cai, uma verdade que ao longo dos dois milênios a Igreja jamais havia sentido a necessidade de reafirmar com um pronunciamento “ad hoc”. No entanto, a declaração de 2000, a “Dominus Iesus”, foi acolhida com um fogo de protestos, de dentro e fora da Igreja, por sua exclusão de uma pluralidade de caminhos de salvação, todos em si suficientes e plenos de graça e verdade.
É possível que nestes sentimentos se aninhe a nostalgia por uma pluralidade de deuses, mas o politeísmo de hoje, em nível de massa, é mais sutil.
A ideia corrente é que as várias religiões são a seu modo, todas, expressão de um “divino”. E, contudo, esta suma divindade, como já explicava o pagão Símaco a Ambrósio, é impossível de conhecer e distante, muito distante para apaixonar os homens e deles cuidar.
De um escritor latino do século III, Minúcio Félix, nos chegou outro diálogo, muito refinado, no qual o pagão Cecílio, passeando pelo litoral de Ostia, depois de ter rendido homenagem a uma estátua de Serápide, explica que “nas coisas humanas tudo é duvidoso, incerto, indeciso”, mas precisamente por isto é bom seguir a religião dos antigos e adorar “aqueles deuses que nossos pais nos ensinaram a temer, mais que a conhecer de perto”.
Em uma homilia na Praça São Pedro de 11 de junho passado, Bento XVI disse que “por estranho que pareça, este pensamento ressurgiu no Iluminismo”. E, com efeito, um campeão da Era das Luzes como o não crente Voltaire ordenava os seus familiares e a criadagem a reverenciar o cristianismo e seus preceitos por razões de boa criação cívica. Talvez Deus exista. E talvez seja Ele quem tenha criado o mundo. Mas depois se desinteressou do mesmo de tal maneira que desapareceu do horizonte vital. Sua bondade consiste em não produzir nenhum incômodo.
E assim, sob o céu desta divindade vaga e remota, a terra se povoou de novos deuses. Com uniforme laico e pragmático.
Politeísmo dos valores
Já no século XIX, em seu Ensaios sobre a Religião, o economista e filósofo John Stuart Mill escreveu que o politeísmo era largamente mais funcional que o monoteísmo para descrever a pluralidade de éticas que caracterizavam o cenário da vida da primeira sociedade industrial. E Max Weber, no começo do século XX, cunhou a fórmula “Polytheismus der Werte”, politeísmo dos valores, precisamente para indicar o panteão da sociedade moderna.
Em um mundo já desencantado, sem ter mais um único Deus que proclame mandamentos válidos para todos, cada uma das esferas sociais – da política à economia, da arte à ciência e à própria religião – é regida por um deus próprio com seus oráculos. Oráculos frequentemente em conflito entre si, com o homem dramaticamente só na hora das decisões.
Weber, com o impecável distanciamento do estudioso, não disse se este moderno politeísmo fosse bom ou mau. Mas, outros pensadores vindos depois dele já não escondem suas simpatias.
Na segunda metade do século XX, à “teologia política do monoteísmo”, propugnada por Erick Peterson (um dos autores mais lidos e admirados por Joseph Ratzinger desde que era um jovem professor), o filósofo alemão Odo Marquard opõe uma “teologia política do politeísmo”, e no título de seu ensaio louva tal politeísmo com o qualificativo de “iluminado”. Na sua opinião, o homem tem sempre necessidade de mitos, e o importante é que tais mitos sejam muitos e abertos a infinitas variações, como na mitologia antiga, ao contrário do judaísmo e do cristianismo que se apóiam em fatos históricos únicos e incontrovertidos.
Na Espanha, a filósofa María Zambrano levantou o dedo contra o ascetismo de origem medieval da espiritualidade cristã, destrutivo dos sentimentos. É a poesia, na sua opinião, que pode libertar o homem do “monolitismo” e restituí-lo ao seu alegre politeísmo nativo.
Na Itália é Salvatore Natoli o filósofo que defende uma “ética do infinito”, ou seja, um conjunto de referências “politeístas”, múltiplas, que ofereçam ao homem pontos de apoio, jamais definitivos, mas sempre capazes de salvá-lo provisoriamente da anarquia dos instintos.
Mas, seguramente, a obra que infundiu mais na cultura italiana contemporânea uma revalorização do politeísmo é mais literária que filosófica: é As núpcias de Cadmo e Harmonia (Companhia das Letras), do Roberto Calasso, de 1988, com sua evocação gloriosa da mitologia clássica.
Para um reencantamento do mundo
Apesar do “desencanto do mundo” descrito por Weber, a sociedade moderna não parece imune à sedução contrária de um mundo novamente encantado.
Alain de Benoist, pensador da “nouvelle droite” francesa, é o mais ardoroso pregoeiro deste retorno à sacralidade neopagã.
Para a corrente cultural que ele representa, o grande inimigo é precisamente o judaísmo e o cristianismo com sua ideia “dessacralizante” de criação. Com efeito, se não há outro Deus afora do Deus único, as criaturas já não têm nada de divino e até os astros, como diz a primeira página do Gênesis, são simples “luminárias” que pendem do céu para marcar o dia e a noite. O mundo é definitivamente entregue à sua profanidade.
Observa Leonardo Lugaresi, professor em Bolonha e Paris e especialista de cristianismo antigo: “Na reivindicação que hoje se faz ao cristianismo de ser responsável pela dessacralização do mundo, o que volta a entrar em jogo, sob novas formas, não é senão a velha acusação de ateísmo feita aos cristãos dos primeiros séculos”.
E acrescenta: “Como naquela época, também para uma certa mentalidade neopagã de hoje, é nocivo porque tirou da terra seu encanto, seus deuses, e privou o homem de um poder religioso com a natureza. Em consequência, o novo paganismo quer curar o mundo da ‘ruptura monoteísta’, isto é, quer restituir-lhe aquela sacralidade e divindade que o cristianismo lhe tirou”.
Não a um Deus qualquer
A fórmula “ruptura monoteísta” remete aos estudos de um grande egiptólogo, o alemão Jan Assmann, que indagou a fundo a novidade revolucionária introduzida pelo Deus único da religião de Moisés em relação ao politeísmo do Egito da época. Portanto, não surpreende que a Editora El Molino, ao publicar este ano dez ensaios encarregados a diversos autores sobre os Dez Mandamentos do decálogo de Moisés, tenha pedido precisamente a Assmann o comentário do “Não terás outro Deus”.
Assmann não é um apologeta do politeísmo. Mas vê no monoteísmo mosaico, desde seu nascimento, um opor-se exclusivo e intolerante às outras religiões. Todos os monoteísmos, desde o judaísmo ao cristianismo, passando pelo Islã, carregam em si mesmos, na sua opinião, o veneno da violência. E então ele pede aos monoteísmos superar seus absolutos e “alcançar o ponto transcendental graças ao qual se torna possível a verdadeira tolerância”, de se elevar à forma superior de “sabedoria religiosa” ou de “religião profunda” encarnada por sábios como Albert Schweitzer, Mahatma Gandhi e Rabindranath Tagore, em resumo, “o ideal de tolerância do século XVIII expressado na parábola dos três anéis de [Gotthold Ephraim] Lessing, no conto de Nathan, o sábio”.
E o que é esta senão a religião sem normas nem dogmas do Iluminismo, com seu Deus remoto? E a que pode abrir espaço esta religião vaga senão a um novo politeísmo do arbítrio?
Em 13 de setembro passado, ao receber o novo embaixador alemão na Santa Sé, Walter Jürgen Schmid, Bento XVI levantou os olhos do texto escrito e disse o seguinte: “Muitos homens mostram hoje uma inclinação para concepções religiosas mais permissivas também para si mesmos. No lugar do Deus pessoal do cristianismo, que se revela na Bíblia, se coloca um ser supremo, misterioso e indeterminado, que tem apenas uma vaga relação com a vida pessoal do ser humano. Mas se alguém abandona a fé em um Deus pessoal surge a alternativa de um ‘deus’ que não conhece, não sente, não fala. E mais do que nunca, não tem um querer. Se deus não tem uma vontade própria, o bem e o mal, no final das contas, já não são distinguíveis. O homem perde assim sua força moral e espiritual, necessária para um desenvolvimento integral da pessoa. O agir social é dominado cada vez mais pelo interesse privado ou pelo cálculo do poder”.
A partir destas palavras se entende melhor porque hoje, para o Papa Bento, “a prioridade suprema e fundamental” seja a de reabrir o acesso a Deus a uma humanidade desorientada.
E “não a um deus qualquer, mas ao Deus que falou no Sinai, ao Deus cujo rosto reconhecemos no amor que chegou ao extremo, em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado”.

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