Bento XVI faz o alerta. O
esquecimento do Deus único abre espaço a um mundo dominado por uma
pluralidade de novos deuses de rosto sedutor. Viagem entre os cultores
do paganismo moderno.
“Politeísmo”: esta palavra apareceu como
um raio em um recente discurso de Bento XVI no sínodo de bispos do
Oriente Médio, isto é, justamente na terra natal do Deus único feito
homem, Jesus, e dos mais poderosos monoteísmos da história, o judeu e o
muçulmano.
“Credo in unum Deum” é o poderoso refrão
do princípio da sinfonia da doutrina cristã. Mas para Joseph Ratzinger,
Papa teólogo, o politeísmo não está morto. É o desafio perene que
também hoje se ergue contra a fé no Deus único.
“Pensemos nas grandes potências da
história de hoje”, continuou o Papa no sínodo. Os capitais anônimos, a
violência terrorista, a droga, a tirania da opinião pública são as
modernas divindades que escravizam o homem. Devem cair. Se deve fazer
com que caiam. A queda dos deuses é o imperativo de ontem, de hoje, de
sempre para os crentes no único Deus verdadeiro.
Mas, o politeísmo de hoje não é feito só
de potências obscuras. Seus muitos deuses têm também rosto benévolo e
capacidade para seduzir.
É a “gaia ciência” vaticinada por
Nietzsche há mais de um século, que oferece a cada homem “a maior
vantagem”: a de “erigir seu próprio ideal e derivar disso a lei, suas
alegrias e seus direitos”.
É a vitória do livre arbítrio
individual, sem ter mais o jugo de uma tábua da lei, uma única para
todos porque é escrita por um único Deus intratável.
Essa admiração pelo “Gênio do
cristianismo” que havia inflamado Chateaubriand e os românticos cede
hoje lugar a uma redescoberta entusiasta do “Gênio do paganismo”, título
de um livrinho do antropólogo francês Marc Augé.
Na Itália, outro antropólogo, Francesco
Remotti, investe contra “A obsessão da identidade”, título de seu último
livro, e repreende o papa, em outro livro seu em forma de carta, por
seu obstinado proceder “contra natura”, contra uma modernidade que, pelo
contrário, faz gostar das maravilhas do politeísmo, líquido,
pluralista, tolerante e libertador.
O “espírito de Assis”
Certamente, o atual revivificar-se do
politeísmo não volta a praticar o culto a Júpiter e a Juno, a Vênus e a
Marte. Mas a filosofia dos pagãos cultos do império de Roma volta a
aflorar intacta no raciocínio de tantos modernos partidários do
“pensamento débil”. E não apenas nestes. Quem hoje lê novamente, 16
séculos depois, a disputa entre o monoteísta Ambrósio, o santo padroeiro
de Milão, e o politeísta Símaco, senador da Roma pagã, se sente
fortemente tentado a dar razão ao segundo, quando diz: “Que interessa
qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade?
Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo”.
A magnânima paridade entre todas as
religiões e os deuses, que estas palavras parecem inspirar encanta
também muitos cristãos. O “espírito de Assis”, nascido da reunião
multirreligiosa que ali se teve em 1998, contagiou de tal modo o
difundido sentir que em 2000 a Igreja de João Paulo II e do então
cardeal Joseph Ratzinger se sentiu no dever de recordar aos católicos
que havia um só salvador da humanidade, e é o Deus feito homem em Jesus:
uma verdade sobre a qual todo o Novo Testamento se sustenta ou cai, uma
verdade que ao longo dos dois milênios a Igreja jamais havia sentido a
necessidade de reafirmar com um pronunciamento “ad hoc”. No entanto, a
declaração de 2000, a “Dominus Iesus”, foi acolhida com um fogo de
protestos, de dentro e fora da Igreja, por sua exclusão de uma
pluralidade de caminhos de salvação, todos em si suficientes e plenos de
graça e verdade.
É possível que nestes sentimentos se
aninhe a nostalgia por uma pluralidade de deuses, mas o politeísmo de
hoje, em nível de massa, é mais sutil.
A ideia corrente é que as várias
religiões são a seu modo, todas, expressão de um “divino”. E, contudo,
esta suma divindade, como já explicava o pagão Símaco a Ambrósio, é
impossível de conhecer e distante, muito distante para apaixonar os
homens e deles cuidar.
De um escritor latino do século III,
Minúcio Félix, nos chegou outro diálogo, muito refinado, no qual o pagão
Cecílio, passeando pelo litoral de Ostia, depois de ter rendido
homenagem a uma estátua de Serápide, explica que “nas coisas humanas
tudo é duvidoso, incerto, indeciso”, mas precisamente por isto é bom
seguir a religião dos antigos e adorar “aqueles deuses que nossos pais
nos ensinaram a temer, mais que a conhecer de perto”.
Em uma homilia
na Praça São Pedro de 11 de junho passado, Bento XVI disse que “por
estranho que pareça, este pensamento ressurgiu no Iluminismo”. E, com
efeito, um campeão da Era das Luzes como o não crente Voltaire ordenava
os seus familiares e a criadagem a reverenciar o cristianismo e seus
preceitos por razões de boa criação cívica. Talvez Deus exista. E talvez
seja Ele quem tenha criado o mundo. Mas depois se desinteressou do
mesmo de tal maneira que desapareceu do horizonte vital. Sua bondade
consiste em não produzir nenhum incômodo.
E assim, sob o céu desta divindade vaga e remota, a terra se povoou de novos deuses. Com uniforme laico e pragmático.
Politeísmo dos valores
Já no século XIX, em seu Ensaios sobre a
Religião, o economista e filósofo John Stuart Mill escreveu que o
politeísmo era largamente mais funcional que o monoteísmo para descrever
a pluralidade de éticas que caracterizavam o cenário da vida da
primeira sociedade industrial. E Max Weber, no começo do século XX,
cunhou a fórmula “Polytheismus der Werte”, politeísmo dos valores,
precisamente para indicar o panteão da sociedade moderna.
Em um mundo já desencantado, sem ter
mais um único Deus que proclame mandamentos válidos para todos, cada uma
das esferas sociais – da política à economia, da arte à ciência e à
própria religião – é regida por um deus próprio com seus oráculos.
Oráculos frequentemente em conflito entre si, com o homem dramaticamente
só na hora das decisões.
Weber, com o impecável distanciamento do
estudioso, não disse se este moderno politeísmo fosse bom ou mau. Mas,
outros pensadores vindos depois dele já não escondem suas simpatias.
Na segunda metade do século XX, à
“teologia política do monoteísmo”, propugnada por Erick Peterson (um dos
autores mais lidos e admirados por Joseph Ratzinger desde que era um
jovem professor), o filósofo alemão Odo Marquard opõe uma “teologia
política do politeísmo”, e no título de seu ensaio louva tal politeísmo
com o qualificativo de “iluminado”. Na sua opinião, o homem tem sempre
necessidade de mitos, e o importante é que tais mitos sejam muitos e
abertos a infinitas variações, como na mitologia antiga, ao contrário do
judaísmo e do cristianismo que se apóiam em fatos históricos únicos e
incontrovertidos.
Na Espanha, a filósofa María Zambrano
levantou o dedo contra o ascetismo de origem medieval da espiritualidade
cristã, destrutivo dos sentimentos. É a poesia, na sua opinião, que
pode libertar o homem do “monolitismo” e restituí-lo ao seu alegre
politeísmo nativo.
Na Itália é Salvatore Natoli o filósofo
que defende uma “ética do infinito”, ou seja, um conjunto de referências
“politeístas”, múltiplas, que ofereçam ao homem pontos de apoio, jamais
definitivos, mas sempre capazes de salvá-lo provisoriamente da anarquia
dos instintos.
Mas, seguramente, a obra que infundiu
mais na cultura italiana contemporânea uma revalorização do politeísmo é
mais literária que filosófica: é As núpcias de Cadmo e Harmonia
(Companhia das Letras), do Roberto Calasso, de 1988, com sua evocação
gloriosa da mitologia clássica.
Para um reencantamento do mundo
Apesar do “desencanto do mundo” descrito
por Weber, a sociedade moderna não parece imune à sedução contrária de
um mundo novamente encantado.
Alain de Benoist, pensador da “nouvelle droite” francesa, é o mais ardoroso pregoeiro deste retorno à sacralidade neopagã.
Para a corrente cultural que ele
representa, o grande inimigo é precisamente o judaísmo e o cristianismo
com sua ideia “dessacralizante” de criação. Com efeito, se não há outro
Deus afora do Deus único, as criaturas já não têm nada de divino e até
os astros, como diz a primeira página do Gênesis, são simples
“luminárias” que pendem do céu para marcar o dia e a noite. O mundo é
definitivamente entregue à sua profanidade.
Observa Leonardo Lugaresi, professor em
Bolonha e Paris e especialista de cristianismo antigo: “Na reivindicação
que hoje se faz ao cristianismo de ser responsável pela dessacralização
do mundo, o que volta a entrar em jogo, sob novas formas, não é senão a
velha acusação de ateísmo feita aos cristãos dos primeiros séculos”.
E acrescenta: “Como naquela época,
também para uma certa mentalidade neopagã de hoje, é nocivo porque tirou
da terra seu encanto, seus deuses, e privou o homem de um poder
religioso com a natureza. Em consequência, o novo paganismo quer curar o
mundo da ‘ruptura monoteísta’, isto é, quer restituir-lhe aquela
sacralidade e divindade que o cristianismo lhe tirou”.
Não a um Deus qualquer
A fórmula “ruptura monoteísta” remete
aos estudos de um grande egiptólogo, o alemão Jan Assmann, que indagou a
fundo a novidade revolucionária introduzida pelo Deus único da religião
de Moisés em relação ao politeísmo do Egito da época. Portanto, não
surpreende que a Editora El Molino, ao publicar este ano dez ensaios
encarregados a diversos autores sobre os Dez Mandamentos do decálogo de
Moisés, tenha pedido precisamente a Assmann o comentário do “Não terás
outro Deus”.
Assmann não é um apologeta do
politeísmo. Mas vê no monoteísmo mosaico, desde seu nascimento, um
opor-se exclusivo e intolerante às outras religiões. Todos os
monoteísmos, desde o judaísmo ao cristianismo, passando pelo Islã,
carregam em si mesmos, na sua opinião, o veneno da violência. E então
ele pede aos monoteísmos superar seus absolutos e “alcançar o ponto
transcendental graças ao qual se torna possível a verdadeira
tolerância”, de se elevar à forma superior de “sabedoria religiosa” ou
de “religião profunda” encarnada por sábios como Albert Schweitzer,
Mahatma Gandhi e Rabindranath Tagore, em resumo, “o ideal de tolerância
do século XVIII expressado na parábola dos três anéis de [Gotthold
Ephraim] Lessing, no conto de Nathan, o sábio”.
E o que é esta senão a religião sem
normas nem dogmas do Iluminismo, com seu Deus remoto? E a que pode abrir
espaço esta religião vaga senão a um novo politeísmo do arbítrio?
Em 13 de setembro passado, ao receber o
novo embaixador alemão na Santa Sé, Walter Jürgen Schmid, Bento XVI
levantou os olhos do texto escrito e disse o seguinte: “Muitos homens
mostram hoje uma inclinação para concepções religiosas mais permissivas
também para si mesmos. No lugar do Deus pessoal do cristianismo, que se
revela na Bíblia, se coloca um ser supremo, misterioso e indeterminado,
que tem apenas uma vaga relação com a vida pessoal do ser humano. Mas se
alguém abandona a fé em um Deus pessoal surge a alternativa de um
‘deus’ que não conhece, não sente, não fala. E mais do que nunca, não
tem um querer. Se deus não tem uma vontade própria, o bem e o mal, no
final das contas, já não são distinguíveis. O homem perde assim sua
força moral e espiritual, necessária para um desenvolvimento integral da
pessoa. O agir social é dominado cada vez mais pelo interesse privado
ou pelo cálculo do poder”.
A partir destas palavras se entende
melhor porque hoje, para o Papa Bento, “a prioridade suprema e
fundamental” seja a de reabrir o acesso a Deus a uma humanidade
desorientada.
E “não a um deus qualquer, mas ao Deus
que falou no Sinai, ao Deus cujo rosto reconhecemos no amor que chegou
ao extremo, em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado”.