O "discurso anti-infalibilidade do Papa" do Bispo Strossmayer
Algumas reflexões sobre o
"famoso discurso" do Bispo Strossmayer durante o Concílio Vaticano I
(1869-1870)
Um discurso fantasma? Quem o
escreveu? A história de um grande bispo e de uma grande mentira
Passados alguns anos, vários fatores
fizeram com que voltasse às minhas mãos o "famoso discurso". Desta vez
já não pude conter: "esse discurso contém uma série de estupidezas;
nenhum bispo, por mais herege que seja, escreveria e pronunciaria algo
assim; os hereges seriam mais sensatos que Strossmayer!" - pensei.
Me veio então a dúvida: "E se esse discurso for uma invenção?"
Para aumentar as dúvidas colaborou um querido amigo da Espanha, L.F.P.,
ex-cristão evangélico. Este amigo me garantiu que, na realidade, esse
discurso jamais existiu, de modo que, aproveitando o fato de me
encontrar próximo das maiores bibliotecas do cristianismo [Roma], decidi
gastar algum tempo procurando o "famoso" discurso de Strossmayer, bem
como de qualquer material que servisse para esclarecer a verdade
histórica. Principalmente porque confiava na boa vontade e boa intenção
das pessoas (na maioria cristãs), aceitava eu "o fato" do tal discurso
segundo publicavam diversos sites. Mas o que encontrei foi uma
gratíssima surpresa: não apenas o bispo Strossmayer não foi nenhum
herege violento, como se tratava de um grande homem da Igreja, um
lutador incansável pela unidade dos cristãos, um gigante da cultura
eslava, um gênio político, um pai para o seu povo e um precursor do
Concílio Vaticano II. Com efeito, aproveito este espaço para
colocar um grão de areia no dever de limpar um pouco o seu nome. (...)
* * *
Resumo das conclusões que pude chegar a
partir da leitura do material coletado. Ao final, o leitor encontrará a
bibliografia consultada e o que alguns autores dizem a respeito de
nosso personagem. Que cada um tire as suas próprias conclusões...
PRIMEIRA CONCLUSÃO: O dito discurso não existe; é uma
fraude criada por José Agustín de Escudero.
Nas atas do Concílio (ver abaixo, há
várias versões) encontram-se registrados todos os discursos que o bispo
croata pronunciou durante todas as assembléias conciliares
(encontram-se todos os discursos pronunciados por TODOS os bispos).
Mons. Strossmayer pronunciou CINCO discursos, nestes dias
respectivamente: 30/12/1869, 7/2/1870, 24/2/1870, 22/3/1870 e 2/6/1870.
Destes discursos, NENHUM coincide, ainda que remotamente,
com o suposto "famoso discurso". Ou seja, o tal discurso não foi
pronunciado no Concílio Vaticano I por Strossmayer.
protestantes) seria um artigo publicado
na "The Catholic Encyclopedia" sobre Strossmayer (tal artigo pode ser
lido em http://www.newadvent.org/cathen/14316a.htm).
A respeito disso, temos duas coisas a observar:
a) A "The Catholic Encyclopedia" não
é uma fonte, mas um artigo, que supostamente
sintetiza o trabalho que alguém fez sobre as "fontes". "Fonte" é onde
alguém pode ir ler o suposto discurso em primeira mão ou obras que
reportam os documentos originais.
b) Na verdade, esse artigo da
enciclopédia não diz que o bispo Strossmayer tenha
pronunciado esse "famoso" discurso, mas que "um
discurso que pronunciou, defendendo o protestantismo, causou agitação" (ver
o discurso de 22 de março de 1870, para constatar de que modo
"defendeu o protestantismo"; v. tb. na bibliografia o que registra R.
Aubert acerca do mesmo discurso e o de 2 de junho) e que logo "se
lhe foi atribuído outro", que seria (talvez, porque não menciona a
data) o "famoso", sem observar que a própria enciclopédia adverte, a
saber, que "se lhe foi atribuído" esse discurso, mas que "pensa-se
que o falsificador tenha sido o ex (monge) agostiniano, mexicano, de
nome dr. José Agustín de Escudero".
c) A mesma enciclopédia,
no artigo sobre o Concílio Vaticano I, diz:
"o discurso conciliar publicado sob o
nome do bispo Strossmayer é uma falsificação feita
pelo monge agostiniano apóstata, do México, José Agustín de Escudero,
que então se encontrava na Itália" (cf. Granderath-Kirch III, 189).
Efetivamente consultamos a fundamental
obra dos historiadores Granderath-Kirch e, nessa mesma página,
encontramos a seguinte nota, que traduzimos completamente, dada a sua
importância por mencionar dados sobre este "monge agostiniano
apóstata", verdadeiro autor do calunioso escrito. Diz Granderath:
"[...] Logo, em 1871, apareceu um
fragmento de literatura pretendendo ser parte de um discurso proferido
em 2 de junho de 1870 pelo bispo Strossmayer no Concílio. Esse discurso
é fictício do princípio ao fim. Está repleto de heresias e nega não
apenas a infalibilidade papal como também a primazia do Pontífice.
Mons. Strossmayer e todos os outros
membros do Concílio declararam uma e outra vez que este discurso
atribuído a mons. Strossmayer era uma falsificação, mas isso não impediu
que continuasse circulando.
Na Inglaterra e na América
continuou sendo distribuído e, a partir da América, em 1890, chegou a
diversas revistas protestantes alemãs. Estas se retrataram quando os
colaboradores de mons. Strossmayer protestaram contra tal libelo. No
entanto, em 1981, o discurso ressurgiu novamente como um dos panfletos
que a Liga Evangélica intitulou: "Hier stehe ich. - Ich kann auch
anders. Aus dem Leben eines römisch-katholischen Bischofs" ? pelo Dr.
R. Krone á Messkirch ("Aqui Permaneço ? Não Posso Agir de Outra
Maneira ? da vida de um Bispo Católico Romano").
Provas evidentes da falsidade do
discurso não detiveram nem o autor nem o editor, D. L. Witte á
Pforta, de continuar difundindo o libelo, de tal forma que se
solicitou a publicação de todos os discursos do Concílio. Obviamente, a
publicação dos discursos não foi devida às falsidades previamente
publicadas. Mesmo assim, eu [Granderath] tenho lido todos os discursos
do Concílio e testifico que mons. Strossmayer jamais pronunciou o
discurso que a Liga Evangélica difundiu, nem em 2 de junho, nem em
nenhum outro dia do Concílio.
Em 1876 o bispo Strossmayer foi
informado da autoria original da falsificação através da seguinte
carta, cuja cópia encontra-se juntada ao Apêndice das Atas do Concílio (Acta
etc. IV b, 649 ss.):
'Buenos Aires, 18 de agosto de 1876.
Monsenhor: Permita dirigir-me a
Vossa Excelência para enviar, anexa à presente, uma edição de "América
del Sud" que foi publicada aqui. Contém, sob o título "La Verdad en el
Vaticano" (=A Verdade no Vaticano) a confissão de um homem que provocou
grave dano ao senhor e que, oportunamente, publicou um discurso sob o
vosso nome no Vaticano e que certos protestantes têm circulado por
aqui. Ao final, este homem reconhece ser o autor e tenta remediar pelo
menos alguns dos problemas causados.
Embora eu não cultive qualquer
relação com o autor, parece-me que deseja que a sua retratação seja
conhecida na Europa. O dr. José Agustin de Escudero é mexicano e já foi
agostiniano, deixando sua ordem não amistosamente. Empreendeu viagem
pela Espanha e França. Na época do Concílio, esteve também na Itália.
Tornou-se protestante, maçom, "carbonário", pregador e até já se fez
passar por bispo protestante, causando problemas no Brasil e em
Montevidéu. Aqui em Buenos Aires voltou a se reconciliar com a Igreja e
se casou logo após seus votos sacerdotais terem sido anulados [?] em
Roma. No tempo da retratação citada acima, era colaborador de "América
del Sud", da qual é atualmente editor. Se a sua conversão é verdadeira,
só Deus sabe. Eu duvido. Se Vossa Graça Episcopal desejar maiores
informações, coloco-me à sua disposição fazendo-lhe saber o meu
domicílio:Sr. D. Pedro Stollenwerk, Missionário Lazarista, Buenos
Aires. Calle Libertad, Hospital Francês.
Requisitando sua bênção episcopal,
atenciosamente etc..."
"Jos. Wallinger, Secretário Episcopal,
dá fé de que é copia do original. Djakovo, 30 de Dezembro de 1876."
Esta nota foi retirada da edição
francesa da monumental "História do Concílio" (v. bibliografia mais
abaixo), p. 189, nota. [...]
Para se ter uma idéia da
superficialidade com que estes temas são tratados por certos sites onde o
discurso aparece, em alguns deles se lê:
"Cabe à Igreja Católica Romana
provar que Strossmayer não se pronunciou no Primeiro Concílio do
Vaticano e que não se pronunciou contrário à infalibilidade do papa.
Contudo, a história é explícita, tanto por sua própria enciclopédia, que
é perfeitamente clara e explícita em tal assunto, como por testemunhos
coletados. Por outro lado, seria desejável que a Igreja de Roma
trouxesse à luz todos os documentos desse controvertido Concílio".
Estes textos são traduzidos de sites
em inglês, onde TODOS dizem a mesma coisa. Voltaremos a este parágrafo
no final.
Dizem, ao apresentar o "discurso":
"A Igreja Católica Romana não
aprecia o discurso pronunciado pelo bispo Strossmayer no Primeiro
Concílio do Vaticano, em 1870, quando a infalibilidade papal foi
promulgada como dogma oficial. Na verdade, há autoridades
católico-romanas e alguns apologistas que negam a sua autenticidade. Por
quê? Porque negava a primazia de Pedro como a Rocha de fundamento do
papado".
Como nos consideramos entre os ditos
"apologistas", que negamos a autenticidade do discurso, fomos constatar
a veracidade do mesmo e nossa resposta é clara e definitiva: tal
discurso não existe. Se alguém precisa provar algo, na
realidade, é quem alega que o referido discurso existe. As provas que
apontamos aqui e na bibliografia (e no trabalho de Ivan Tomas) são
determinantes: este discurso é FALSO.
Ora, que Strossmayer tenha falado contra
a oportunidade de se declarar o dogma, não cabe nenhuma
dúvida a respeito, estudando-se os discursos. Porém, isso não
assusta a nenhum católico: que em um Concílio haja opiniões da minoria
distoantes da opinião da maioria e da eventual declaração de um dogma,
isto não traz nenhuma
dificuldade de nenhuma
espécie. Nesse sentido, não foi apenas Strossmayer que falou contra a oportunidade
de se definir o dogma (mais do que contra o dogma em si e por motivos
sobretudo ecumênicos, como aparece no artigo de Ivan Tomas). Mas o que
tratamos aqui não diz respeito à infalibilidade [papal], mas se
Strossmayer de fato pronunciou esse discurso ou se o
suposto discurso é uma grande mentira.
[...]
SEGUNDA CONCLUSÃO: Strossmayer nasceu, viveu e morreu
como um fervoroso católico.
Esta é a parte mais gratificante de
nossa pequena investigação: encontrar um grande homem como Strossmayer,
católico, homem de ação, apaixonado pela unidade dos cristãos. Antes e
DEPOIS do Concílio recebeu as honras do papa Pio IX (promotor e
executor do Concílio) e Leão XIII, que o defendeu vigorosamente contra o
então imperador austríaco (1888); em 1893, por exemplo, o Vaticano
publicou o primeiro missal em língua glagolítica (o idioma inventado
pelos santos Cirilo e Metódio, de onde provém a escrita de todas as
línguas eslavas) a pedido de Strossmayer. E como
estes, há muitíssimos outros dados sobre a catolicidade e zelo
apostólico de Strossmayer, que não vem ao caso expor aqui.
TERCEIRA CONCLUSÃO: Strossmayer pronunciou CINCO
discursos; NENHUM atacando a infalibilidade do papa.
O que ele pretendia, basicamente, era o
seguinte: não deixar o ofício do bispo à penumbra, fazer com
que a infalibilidade da Igreja recaisse também sobre todos os bispos
em comunhão com o papa, e, sobretudo, não declarar um dogma que -
segundo ele - dificultaria aos Ortodoxos o caminho da unidade
(e também aos Protestantes, obviamente), caminho que ele havia
preparado por anos de contatos com a Igreja Ortodoxa na Croácia e
Rússia, especialmente. Esses eram os problemas de Strossmayer, essa era a
sua opinião ante a eventualidade da declaração do dogma. Se alguém
duvida, que nos diga em qual discurso ele "diz o
que dizem que disse" (o "famoso discurso", como vimos, é um
fantasma) e iremos consultá-lo e lhe mandaremos a seguir o texto latino
do discurso com a sua respectiva tradução.
QUARTA CONCLUSÃO: Strossmayer aceitou as declarações
do Concílio.
Que lhe tenha custado enormemente
aceitá-lo, ou que durante o Concílio tenha feito o possível
para que não fosse declarado o dogma, ou que após o Concílio,
privadamente a seus amigos, manifestou sua rejeição, não revoga o fato de que,
como pastor católico que era, tenha aceitado o que a Igreja havia
decidido. De fato, Strossmayer não se uniu com os
"vétero-católicos", cisma de proporções muito menores surgido
após o Concílio, por não aceitar a infalibilidade papal, como queriam
que se unisse a eles, já que tinha muita autoridade ali. Strossmayer fez
publicar em sua diocese os decretos do Concílio (há dúvidas
hoje em dia sobre o entusiasmo com que fez isto - coisa mais que
compreensível - porém, isso não altera que, sob o seu governo, foi
publicado em sua diocese todo o material do Concílio; ver a respeito o
trabalho de I. Sivric, que citamos na bibliografia) e morreu aceitando
sem nenhum "porém" as doutrinas conciliares. As dificuldades podem
existir - e realmente existem - na compreensão e aceitação de um dogma,
como entre nós ninguém está obrigado a estar convencido
da Trindade, bastando que creia que é assim porque
Deus revelou, custe ou não enquanto "ser racional". Foi assim que agiu
Stossmayer. Mais detalhes na bibliografia.
QUINTA CONCLUSÃO: A maior parte de seus pontos de
vista, impensáveis para a época, foi retomada no Concílio Vaticano II
(1962-1965)
[Strossmayer] foi um homem visionário.
Alguns pontos não poderiam ser sustentados hoje por haver um dogma
definido (mas não estava definido enquanto discutiam!!), contudo,
recordemos que trata-se de um padre conciliar, que expõe na aula aquilo
que pensa sobre temas que nem todos aceitam. Mais tarde - como já
sabemos - aceitou toda a doutrina, conservando-se em total comunhão com a
Sé de Pedro. Ademais, um dos pontos em que mais insistia era na linguagem
a ser usada para tratar com os não-católicos, coisa que, para
aquela época, era uma visão de futuro, posteriormente plenamente
aceito pela Igreja.
SEXTA CONCLUSÃO: Strossmayer era um grande admirador
do Concílio de Trento
E, em mais de uma oportunidade, o
apontou como exemplo de como devia ser o Concílio em questão, que
impunha demasiadas restrições aos bispos.
SÉTIMA CONCLUSÃO: Após o Concílio trabalhou
incansavelmente pela união dos ortodoxos e protestantes com a Igreja
Católica.
* * *
Na verdade, o único ponto que interessa
para o que estamos abordando é a primeira conclusão, ou seja, o "famoso discurso" é uma fraude.
Não estamos presenciando hoje, com nossos os próprios olhos, como
surgem as "lendas urbanas"? Quantos crêem hoje que esse discurso foi
pronunciado por Strossmayer em razão da "difusão" que lhe deram os sites
que o publicaram e o publicam? Quantos estariam dispostos a mudar
de idéia baseados nos documentos aqui apresentados?
Pois bem. Quem deseja conhecer a
verdade, agora pode conhecê-la.
Bibliografia Consultada
1. Fontes sobre as intervenções
no Concílio
- COLLECTIO LACENSIS: Acta
et decreta sacrorum conciliorum recentiorum, VII, (Acta et decreta S.
Oecumenici Concilii Vaticani), Friburgo 1890. Uma segunda
edição, de 1892, traz mais detalhes e documentos (Acta et
decreta S. Conc. Vaticani cum permultis aliis documentis ad concilium
eiusque historiam spectantibus, também em Friburgo; nesta
edição, os documentos que nos interessam estão nos volumes 49 a 53).
- I.D.M. MANSI: Sacrorum
conciliorum nova et amplissima collectio, volumes 50, 51
e 52, sob os cuidados de I.B. Martin e L. Petit, Paris 1911-1927. Esta
é a coleção de maior autoridade. Aqui estão todos os
discursos proferidos na aula conciliar (99,9% em latim); os discursos
foram registrados estenograficamente por várias
pessoas e logo após publicados e arquivados nos edifícios
vaticanos, de onde estes historiadores escreveram suas obras (coleções,
histórias, edições críticas etc.). Esta é a fonte principal, aqui se
encontra o que foi dito (ou NÃO!) na aula conciliar. Não são os
discursos que os padres conciliares escreveram, mas o que eles de
fato pronunciaram, com registro de hora, circunstâncias,
personagens, intervenções dos ouvintes, tudo.
Notemos que, paralelamente às atas
encontradas nestas obras (e em outras), existem os diários
de alguns dos padres conciliares, que escreviam durante as sessões.
Estes diários coincidem
com as atas 100% no tema que ora abordamos (os discursos de
Strossmayer). Citamos um diário mais abaixo, na bibliografia, mas há
vários outros.
A "The Catholic Encyclopedia", na nota
sobre o Concílio (nota 1), traz este dado bibliográfico:
"Archives of the Vatican Council: All official papers
relating to the preparations for the Vatican Council, its proceedings,
and the acceptance of its decrees, have been preserved in the Vatican
Palace, in two rooms which were set apart for them. The speeches made
at the general congregations exist in shorthand notes and handwriting;
in addition, Pius IX also arranged to have them printed. The first four
folio volumes were issued by the Vatican Press in 1875-8, the fifth
and final volume appeared in 1884. About a dozen copies of each volume
are in the archives." (="Arquivos
do Concílio do Vaticano: todos os documentos oficiais relativos
aos preparativos para o Concílio do Vaticano, seu andamento e a
aceitação dos seus decretos são preservados no Palácio Vaticano, em
duas salas que foram dedicadas a eles. Os pronunciamentos feitos nas
congregações gerais são conservados em notas estenográficas e
manuscritas; em acréscimo, Pio IX decidiu publicá-las também. Os
primeiros quatro volumes em formato fólio foram editados em 1875-8 pela
Gráfica do Vaticano; o quinte e último volume apareceu em 1884. Cerca
de uma dúzia de cópias de cada volume encontram-se nos arquivos").
2. Histórias da Igreja
consultadas
- Histoire du Concile du
Vatican, depuis sa premiére annonce jusqu'a sa prorogation (uma
tradução do original em alemão), de P. Th. Granderath, SJ,
editada por P. C. Kirch, SJ (1907-1913), cinco
volumes dedicados exclusivamente ao Concílio. É a melhor obra
sobre o assunto. Ver a nota que transcrevemos mais acima sobre a
veracidade do discurso.
- Historia de la Iglesia, de
Flichte-Martin, Volume XXIV, pp. 347-389 e 460. A obra
completa é composta por 30 volumes. Não há qualquer menção sobre o
discurso, afirmando o mesmo que os demais autores citados sobre a
atitude anti-infalibilista de Strossmayer e sua posterior aceitação.
- Manual de la Historia de la
Iglesia, de Hubert Jedin, Volume VII, pp. 1004-1011, Barcelona
(1978). Este "manual" é composto por dez volumes. Ali se escontra,
p.ex.: "estiveram indecisos durante alguns meses (Strossmayer e
outros bispos que tinham a mesma opinião), porém, ao final, nenhum
deles se recusou em dar assentimento ao novo dogma" (p. 1011).
- Storia della Chiesa,
de Roger Aubert, Volume XXI, pp. 495-561,
Turim (1969). Esta obra em italiano é composta por 25 volumes. Ali se
diz, p.ex. (traduzimos do italiano; o que está entre parênteses é
nosso):
Enquanto Strossmayer - que por
muito tempo manteve relações muito cordiais com Döllinger (um teólogo
leigo, que seria logo o líder do cisma "vétero-católico", contrário ao
dogma da infabilidade) e outros teólogos rebeldes do Concílio - jamais
atacou abertamente o Concílio (exceto em privado, como consta na
fotocópia de uma carta a Dupanloup, onde lamenta: 'não posso reconhecer
a legitimidade do Concílio nem a validade de suas decisões), esperando
até dezembro de 1872 (dois anos após a declaração do dogma) para
aceitar abertamente as decisões" (p. 557).
- Historia de los Concilios
Ecuménicos, de Rogert Aubert (a obra é
composta por 12 volumes, um totalmente dedicado ao Concílio do
Vaticano I: vol. XII), Editorial ESET, Espanha (1970).
Transcrevemos o que Aubert (vol. XII, pp. 202-205) escreve sobre o
discurso de 22 de março, o mais temperamental dos cinco discursos
pronunciados por Strossmayer e, por conseguinte, o mais "próximo" do
discurso espúrio:
"As congregações gerais,
interrompidas durante quatro semanas, foram reabertas em 18 de março.
Desta vez, instruídos pela experiência e inspirando-se numa sugestão
feita em outra ocasião por Helefe em seu projeto de regulamento, os
responsáveis julgaram oportuno, antes de conceder a palavra aos Padres,
apresentar-lhes o esquema com um breve comentário em nome da Comissão
da Fé. Este método, que foi usado daí em diante, constituía um real
progresso: isto orientava a discussão e permitiu, ademais, aos teólogos
atuais descobrir a intenção precisa que havia inspirado os redatores do
texto. Mons. Simor foi encarregado dessa apresentação e a cumpriu de
forma satisfatória. Precisou, entre outras coisas, que, embora
modificado o tom professoral do primeiro esquema, havia sido conservado
essencialmente com relação ao fundo, contendo conseqüentemente a
condenação dos mesmos erros[1], pois, ainda que estes
erros, com efeito, sejam ensinados nas universidades, como vários já
haviam feito notar em suas intervenções, extendiam-se também às massas e
não podiam deixar indiferentes os pastores.
Com o novo regulamento, as
observações recaíram, em primeiro lugar, sobre o conjunto do esquema
que, segundo o previsto, não deu lugar a críticas sérias. O cardeal Von
Schwarzenberg fez observar, no entanto, que embora o novo texto fosse
muito superior aos precedentes, teria havido um progresso mais claro se
outros Padres distintos dos da Comissão tivessem sido admitidos à sua
reforma, dando-lhe ocasião para lamentar a forma como estava organizado o
trabalho conciliar. Evidentemente, foi chamado à ordem.
A partir da segunda sessão, em 22
de março foi abordado o exame do Prólogo. Sua discussão daria lugar a
um violento incidente. O último orador da jornada, mons. Strossmayer,
lamentou da forma um pouco irônica com que se havia falado dos
protestantes e assinalou a boa-fé e o espírito cristão existente em
muitos deles; a assembléia começou a murmurar e dois dos presidentes o
interromperam: o card. De Angelis, para dizer que era possível crer na
boa-fé das massas, mas não na dos intelectuais; e o card. Capalti, para
observar que aqui se tratava do protestantismo e não dos protestantes, e
que a forma de falar do orador escandalizava "a maior parte da
assembléia". Mons. Strossmayer, consumado polemista, aproveitou a
ocasião para lamentar a modificação do regulamento que adotava o
princípio da maioria ao invés da unanimidade moral. Capalti replicou em
seguida que se estava desviando do tema e a assembléia protestou cada
vez com maior barulho: "E estas são as pessoas que não querem aceitar a
infalibilidade do papa! Isso é infalível?". E outros: "Esse é Lúcifer.
Anátema! Anátema!". Ou também: "Esse é outro Lutero. Que fique fora!"[2].
O próprio Granderath acredita que "poderia se esperar dos bispos mais
calma e dignidade", porém, observa que esta foi a sessão mais agitada
do Concílio e que os polemistas que têm explorado o incidente, o
apresentam - sem razão - como característico das relações habituais
entre a maioria e a minoria. No que se refere ao próprio incidente,
deve-se considerar que nesta época a maioria dos prelados meridionais,
que constiuíam a maior parte da assembléia, jamais tinham encontrado
diante de si um protestante de carne e osso - a não ser algum sectário
propagandista - nem lido qualquer obra protestante e que suas noções
sobre a questão eram, em geral, muito simplórias. O sucesso foi
certamente muito comentado. Na reunião da minoria francesa, durante a
tarde, mons. Meignan, que pensava fazer o uso da palavra no dia
seguinte, anunciou a sua intenção de desistir, já que previa que a
minoria não poderia se manifestar, porém, algum de seus colaboradores
observou-lhe que, por mais lamentável ter sido o incidente, tinha que se
reconhecer que o orador havia se afastado um pouco do tema e mons.
Dupanloup acrescentou que "ele não imaginava que o protesto tivesse
reunido certo número de adesões, tendo em vista o ruído ocasionado".
Mons. Meignan tomou, pois, a palavra no dia seguinte e, usando um tom
mais moderado, lamentou também, sem ser interrompido, algumas expressões
excessivamente duras usadas contra os protestantes[3];
pediu que a respeito dos erros em matéria exegética a escola mítica
não fosse a única considerada, mas que se considerasse também a escola
crítica, muito mais influente no momento ("é necessário que um Concílio
Ecumênico não pareça ignorar o estado presente da exegese", anotava
ele em seus papéis).
Notas
[1] Do ponto de
vista da metodologia teológica,a observação é importante, pois pode-se
concluir que para descobrir o alcance exato das definições do Concílio é
necessário, entre outras coisas, recorrer às abundantes explicações
fornecidas nas notas do primeiro projeto. Pelo contrário, no que se
refere à apresentação, apesar do que diz Granderath, a estrutura do
primeiro esquema tinha sido profundamente alterada e, inclusive, o
próprio conteúdo dos vários parágrafos (ver H. RONDET, Vatican I, pp.
112-114 e 181-183).
[2] MANSI, LI,
75-77.
[3] A passagem do
Prólogo incriminado foi ligeiramente suavizada pela Comissão e, dando
crédito a Russell, os bispos da minoria consideraram este resultado
como "uma grande vitória sobre o partido ultramontano" (BLAKISTON,
413)."
O discurso de 2 de junho, que seja
talvez o que se apresenta pelas fontes espúrias como "o famoso
discurso", foi uma oratio muito mais tranqüila e sem
interrupções importantes da parte dos Padres presentes. Eis aqui o que
escreve Aubert sobre as intervenções ocorridas nesse dia:
"Uns - como Hefele, Strossmayer ou
Maret - colocaram em relevo as dificuldades teológicas ou históricas
que suscitava a própria doutrina, insistindo, entre outras coisas,
sobre o perigo que existia, pela exaltação do magistério do Romano
Pontífice, de negar praticamente a participação real dos bispos no
poder supremo da Igreja".
- Päpste und Papstum,
Volume XXV, pp. 236-239, Stuttgart (1991), editado por Lajos Pásztor;
este volume traz o diário cotidiano do Concílio escrito por um de seus
membros, Vincenzo Tizzani, em italiano. É um tesouro, muito
interessante e muito bem escrito, com muito "tempero". Relata-se aí,
passo a passo, os discursos, as intervenções dos padres escandalizados,
os aplausos etc.
- Outras obras consultadas
não são aqui citadas porque nada dizem ou dizem substancialmente o
mesmo sobre o assunto. Porém, NENHUMA atribui a Strossmayer o suposto
"discurso".
3. Dicionários enciclopédicos
consultados
- Grande Dizionario
Enciclopedico UTET, Volume XIX, Turim (1991) p. 469. Ali se
diz, por exemplo (traduzimos do italiano; o que se encontra entre
parênteses é nosso):
"Seu modo de trabalhar (dialogando
com ortodoxos e protestantes) foi usado pelo apóstata José Agustín de
Escudero, que lhe atribuiu um discurso apócrifo, publicado em Florença
sob o título "Papa e Vangelo di un Vescovo al Concilio Vaticano"
(1870), traduzido e impresso muitas vezes em várias línguas...
Strossmayer aceitou mais tarde o dogma".
- Enciclopedia Cattolica,
Volume XI, Florença (1953) p. 1422. Ali se diz o seguinte sobre
Strossmayer (traduzimos do italiano):
"...foi um dos principais entre os
que se opunham à definição do dogma da infalibilidade, temendo que se
tornaria assim mais difícil o retorno dos irmãos separados à unidade:
porém, se submeteu e lealmente defendeu a doutrina da infalibilidade.
Em um opúsculo chamado "Papa e Vangelo di un Vescovo al Concilio
Vaticano" (Florença 1870) figurava um discurso seu, apócrifo, cujo
autor foi Juan Agustín de Escudero".
- Biographish-Bibliographishes
Kirchenlexicon, Volume XI (1996), coluna 111; ali se diz por
exemplo (traduzimos do alemão; grifo nosso):
"Mais tarde circulou um discurso que
teria sido pronunciado no Concílio, em 2 de junho de 1870, em
uma versão falsificada".
Fonte:veritatis
Autor:Juan Carlos